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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A visita do Papa ao Brasil e os negros.


Visão idílica do fim da escravidão

A visita do Papa Bento XVI ao Brasil ressalta para os negros algumas questões simbólicas envolvendo não só a sua identidade como a natureza da identidade nacional. O período da visita coincide com o 13 de Maio, data da extinção da escravidão no país, transcorre no santuário de N.S. da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil e que possui para muitos católicos uma imagem de ‘santa negra’ e também com canonização de Frei Galvão que valeu-se do trabalho escravo.
A reunião destes símbolos envolve assim, inúmeros significados constitutivos da identidade nacional que, sobretudo, neste começo de século acentua o sentido que muitos pretendem, de construir uma era de libertação dos signos da opressão nos seus diversos aspectos sociais e psicológicos. E em ambos, diz respeito não só a identidade e aos direitos dos negros brasileiros como a de todos os brasileiros e em especial daqueles que buscam a construção de uma identidade nacional multicultural e pacífica.
O 13 de Maio conhecido como o dia da Abolição da Escravatura em que se exaltava a Princesa Isabel considerada libertadora através da “Lei Áurea” foi (ou deveria ter sido) retirado das comemorações do calendário escolar e dos livros didáticos. E com os devidos esclarecimentos aos alunos dos motivos porque num passado recente seus pais foram educados para aceitar a idéia de que vivíamos numa democracia racial e que agora se revela como uma ‘falsa idéia’ que se enraizou como crença, na maneira de “enxergar” e no costume de “lidar” com os negros.

Finalmente, nos anos 80 foi possível desinstitucionalizar o 13 de Maio tornando-o uma data de denúncia ao racismo brasileiro e não mais de exaltação da “farsa” histórica da Abolição e que teve no movimento negro o protagonista desta mudança. E isto para ser fazer justiça aos donos da ‘sua’ história e não mais se criarem “novas abolições”.

A imagem de uma “santa negra” como muitos atribuem a N.S. da Conceição Aparecida instituída Padroeira do Brasil se deve a uma crença popular que a igreja católica não reconhece oficialmente, mas também não condena ou esclarece suficientemente e que nesta ambigüidade consentida alimenta a crença no imaginário popular da existência de uma “padroeira negra” no seu panteão. E que por justiça histórica às mulheres deveria ser considerada uma matriarca ou madre.

Frei Galvão (1739-1882) descende do famoso e temível bandeirante Fernão Dias - o Caçador de Esmeraldas, sendo sua mãe bisneta deste. Ele foi inicialmente conhecido na sua trajetória religiosa por sua devoção mariana e fervor como seu "filho e escravo perpétuo" que na sua consagração assinou-a com seu próprio sangue. Em sua trajetória humana – arquiteto e mestre de obra - comandou o trabalho dos escravos que eram doados à Ordem Franciscana durante a construção do prédio do Recolhimento, hoje conhecido como Mosteiro da Luz. Sua biografia procura sobre este aspecto destacar seu tratamento diferenciado aos escravos bem como, justificar que ele se valia do trabalho escravo porque era “costume” na época.


No que estes elementos podem ajudar a esclarecer mais um pouco a compreensão do imaginário brasileiro referente ao negro? E como a visita do Papa Bento XVI se relaciona com isto?

O que podemos apreender com mais relevância é que a identidade do negro brasileiro precisa ser constantemente construída ou de outro modo, atualizada. Seja no embate por novos valores do que significa ser negro no Brasil, como por extensão do que significa ser brasileiro. Como hoje se processa o debate entre os defensores das cotas e ações afirmativas e de modo mais incisivo das reparações contra as desigualdades produzidas pela escravidão e pelo racismo. E aqueles que defendem que tudo isso é passado e consideram o negro como uma personagem, um objeto de seus estudos e fantasias. São aqueles que querem que se acredite, não suficientemente, que a identidade negra não só esteja contida na identidade brasileira, mas que por isso, ela se anula. E mais ainda, se podemos notar ou ressaltar a identidade negra, negam ao mesmo tempo a legitimidade dos negros exigirem “condições de igualdade para competir”.

A visita do Papa Bento XVI alia-se neste contexto ao dos arautos do mito da democracia racial brasileira porque envolve significados de conteúdos que estão inscritos no imaginário popular e que tem uma significação ligada na própria identidade e destino do país. E que só se forem tomados, tanto, por uma ‘falsa isenção’ que esvazie seu significado relacionado à data da sua visita com o 13 de maio - ‘fim da escravidão’, a Princesa Isabel, então tida como Redentora e os significados falseados, ocultos ou omitidos da história e dos fatos. Sendo que a verdade histórica aqui é a de que a lei da Abolição foi unicamente redentora para os escravocratas e o governo imperial que não tiveram que indenizar os negros pelo trabalho forçado.

Do mesmo modo que só por uma vontade determinada a negar ou ocultar, se deixaria de relacionar a santificação de um frei escravocrata. O que certamente no imaginário popular o isentaria de qualquer responsabilidade histórica com a escravidão do negro. Tal como seria hoje isentar àqueles que a serviço do nazismo, não tivessem responsabilidade no genocídio porque “era o costume” na naquela época escravizar e matar judeus. Observando ainda que a diferença entre o fim da escravidão no Brasil (1888) e a ocorrência dos campos de concentração e extermínio na Europa (1933-1941) e os dias de hoje, coincidem entre si em torno de 60 anos. Isto parece muito tempo? Porque querer tornar o passado dos negros e seus descendentes irrecorríveis e sem reparação se aos judeus, vítimas do extermínio, dos trabalhos forçados e da espoliação de seus bens e direitos não se questiona a reparação que vem lhes sendo feita de seus prejuízos?

Neste sentido, num ambiente social de regras de exceções, conveniências, falsidades históricas, negações, imputações e medos está envolvida a identidade negra. Mantém a ambigüidade de uma N.S. da Conceição Aparecida com uma imagem negra e do mesmo modo se anuncia um santo brasileiro deixando de lado a denúncia da escravidão e suas conseqüências. Mantendo-se ou deixando de esclarecer os fatos para que a imaginação popular prospere e continue confundida entre o mistério religioso, a falsidade e a deturpação histórica. Deixando-se de revelar que ‘santa negra’ que assim se tornou pela fuligem das velas, e que a escravidão precisa ser reparada. De um outro modo, certamente restaurador de certos valores católicos a reparação seria se ao canonizar frei Galvão fosse também canonizada a escrava Anastácia, santa, para muitos devotos e um símbolo inconteste do martírio provocado pela escravidão.

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